Aos amigos que ficaram pelo caminho

rafaela
2 min readMay 28, 2023

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escorregam das nossas mãos algumas amizades ao longo da vida — e uma vez fora das mãos, não tem mais jeito. daí nasce um sentimento que ainda não tem nome, diferente de saudade, porque mesmo o reencontro já não faria mais sentido. é como uma “saudade conformada”, que lembra sem doer (tanto).

é que algumas pessoas surgem apenas para marcar o tempo, para lembrarmos que não fomos sozinhos sempre, que havia, dois ou três, dispostos — e uma era eu. nunca se sabe, assim, como começou, do que ríamos juntos, o que contávamos um para o outro. se nos escolhemos mesmo ou se só estávamos solitários no pátio da escola, sozinhos almoçando na copa do escritório e aí não teve jeito. se havia amor ou apenas o costume da companhia, não se sabe. só sei que são raras as despedidas entre amigos.

geralmente eles se dissolvem no tempo, e o tempo, mais do que os erros, é irremediável. por erros, às vezes, tenho uma enorme vontade de me livrar de cada um, de ficar completamente sozinha, de tornar indistinguível cada fase da minha vida — jamais consegui. outras vezes, tenho vontade de me inconformar com o tempo e ir atrás dos dois ou três que ficaram pelo caminho. mas sobre o que vamos conversar?

e aí se desiste mais um pouco da lembrança até que ela se torne uma outra vida que se teve num mesmo mundo.

quantas vidas ainda terei? ao lado de quem? ou será esta a última e serão esses poucos os que me acompanharão no último ato? quem irá sorrateiramente sair e quem, por gosto ou inércia, ficará? é certo que haverá dois ou três dispostos — uma será eu.

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