Essa mesa

rafaela
2 min readNov 2, 2023

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Sinto saudade de acordar mais cedo e te ver chegando no corredor com os olhos pequenos. Você passa por mim atravessando a sala, vai até a cozinha e volta, procurando um espaço na mesa de vidro para enfiar o café da manhã.

Essa mesa bamba que é nossa copa, nosso escritório, nossa bancada para esticar massas e decorar bolos, nossa tábua de passar lençóis, nosso salão de festa nos aniversários. Essa mesa velha e riscada que já foi oficina dos nossos maiores projetos escolares, que é colo das compras delicadas, que não podem tocar o chão.

Quando quer comer alguma coisa sozinha, dobra uma toalha de mesa em meia-lua e se alimenta ali, na metade da mesa, para não atrapalhar suas outras funções. Se quer companhia nas refeições pequenas, divide a mesma metade. Apenas grandes situações merecem um espaço inteiro — uma pastelada, uma noite de pizza, uma visita — mas ainda é cedo para isso.

Você apoio a sua grande xícara de leite em cima de tudo e observa o mundo através do seu celular, deitado ao lado. O meu café pequeno nunca é consumido por completo e geralmente passa a manhã ali, feito água parada, esfria e fica nojento perto do meio dia. Até lá, tudo repousa sobre a mesa redonda, inclusive nós duas.

Ficamos confortáveis nesse provisório pedaço de manhã, pensando em como será o dia daqui a pouco. Daqui a pouco haverá na mesa computadores, cadernos, lápis de cor, linhas de crochê. Nas quatro cadeiras haverá bolsas e jaquetas da rua, cabides com camisas brancas, pilhas de roupas sem passar.

Entram e saem, sentam e vão embora. Quase tudo o que passa pela casa repousa provisoriamente em algum espaço da mesa redonda de vidro, inclusive nós duas. Por isso, é importante aproveitar o pouco das manhãs.

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