Orientações de ano novo

rafaela
2 min readJan 15, 2024

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Nascer requer um esforço imenso daqueles que produzem a vida, aqueles que reciclam a matéria da vida e com energia, suor e lágrimas, fazem algo novo viver também. Ser trazido ao mundo não é um processo calmo e gentil, é um estrondo. É preciso alguma agressividade para que a vida comece, e ainda assim, que exista uma espécie de paz ao redor desse nascimento, um conforto que só existe nos braços prontos para receber o que acaba chegar.

O mesmo acontece com o nascer de um ano novo. É possível que ele nasça sozinho, na solidão de uma sacada na zona leste, mas é muito mais aprazível que seja recebido pela maior quantidade de braços possível. Que se reúnam numa praia noturna, movimentada, em êxtase; ou em uma ampla cozinha onde todos falam ao mesmo tempo e a comida quente é carregada com anúncios de cuidado até a mesa. É preciso se distrair um pouco antes do fim, pois o início nunca é fácil.

No pulsar de um ano novo, é bom que se ocupe um dia inteiro com preparativos: roupas, mercados, bebidas, músicas da última era. Que pouco a pouco as pessoas cheguem e ocupem o vazio que logo virá; que abram doces espumantes, que festejem em frente ao palco montado em Copacabana ou na Paulista, ou de frente para o mar, ou da televisão da sala de estar. Que comam muito, muito bem na presença de todos aqueles que também viveram cada dia desse mesmo ano, ainda que de formas diversas.

"São cerca de 2 milhões de pessoas reunidas na praia de Copacabana", anuncia o jornalista sem férias. De certo preferiu comprar o pacote de viagem de janeiro, um mês que ainda nem existe. Mas é certo que virá. "Já é ano novo na Espanha", o que é um alívio. "Vejam como foi em Londres", ufa, chegou lá também. Então começa a contagem regressiva, como se da contagem dependesse a chegada.

A força de um coral atento anseia o calor desse nova vida imaterial. Porque imaterial, ao final, abraçam-se os amigos, beijam-se os amantes, cumprimenta-se os agregados e os desconhecidos, protege-se os cachorros.

Os inícios nunca são fáceis, é preciso se enebriar um pouco. "Agora, o público acompanha o espetacular show pirotécnico de 12 minutos de fogos de artifício na praia de Copacabana", anuncia de novo.

É preciso que não se repare muito no tempo, que os primeiros minutos sejam de silêncio e contemplação, de beleza e alienação do que há em volta. 12 minutos infinitos e insuficientes de luz amortecem nosso pouso, deixam-no imperceptível e indolor.

De Campo Grande, assisto ao nascimento desse ano como se visse uma onda crescendo no horizonte. Enquanto ele não chega por aqui, observo aqueles que estão um ano distantes de mim, mesmo que por alguns minutos. Sobreviveram todos, todos nasceram mais um pouco de novo. Foi um sucesso.

Logo será ano novo por aqui e eu não estou pronta; afinal, ninguém está. Mas já reuni os braços, preparamos a mesa, os foguetes estão a postos, está tudo aqui. Então, que venha com saúde.

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