Padaria Santa Tereza

A centenária necessidade de parar no meio do caminho

rafaela
3 min readJun 25, 2024

Uma vez, ainda em São Paulo, precisei ir ao Fórum João Mendes no final da tarde questionar coisas a algum cartorário. Trata-se de um prédio de 1757, antigo, público e verticalizado, como a maioria dos prédios do centro histórico da cidade. Ele possui vários elevadores que não alcançam todos os andares, então é preciso estar atento às orientações e ter paciência.
Enquanto descia do décimo segundo andar até o térreo, o elevador parou no oitavo para buscar meu professor de processo civil – que também é advogado, e recentemente se tornou professor titular do departamento – junto do que imaginei ser seu cliente. Ambos entraram entusiasmados, conversando sobre uma audiência que, suponho, tinha acabado de acontecer. Sequer tive coragem de interrompê-los com um possível “boa tarde, professor” e fiquei apenas os observando enquanto não chegávamos no último piso.
Em dado momento, ainda no elevador, o assunto cessou. Eles passaram a mexer em seus respectivos celulares em breve silêncio, até que meu professor olhou o homem de canto de olho e perguntou, sorrindo, “cafézinho Santa Tereza?”. O cliente assentiu com a cabeça, sem falar nada, mas com uma expressão de quem diz “é claro! É exatamente o que eu preciso!”.
Instantaneamente fui acometida por uma intensa vontade ir também à Padaria Santa Tereza e tomar um café – o que poderia ser estranho já que não fui convidada, então deixei esse desejo para outro dia.
A Padaria Santa Tereza é mais antiga do Brasil, de 1872, e fica ao lado do Fórum João Mendes desde os anos 40 (ou seja, os cartorários esperaram algumas décadas por esse cafezinho). Por dentro ela é cinza e sem muitas firulas; na calçada da frente há uma floricultura, e no andar de cima, um restaurante de faixada amarela, revestido de móveis de madeira escura. É famosa pela idade, pelas coxas-creme e por ser a desculpa perfeita para a pausa dos advogados e servidores públicos que inevitavelmente circulam pelo centro.
Fui naquela mesma semana matar essa vontade, que nunca morre, de dar um tempinho. No final da tarde, pouco antes de ir para a faculdade, sentei naquelas típicas banquetas circulares, para comer no balcão que rodeia a chapa e a cafeteira. Na verdade, devo ter feito isso tantas vezes que a memória se confunde e guardo esse ritual como se fosse um único momento, uma fotografia cinza, quente e cheirosa, com cheiro de manteiga. Na Padaria Santa Tereza, e em muitas outras do centro histórico, eu me sentia compartilhando uma tradição dos pequenos prazeres: a centenária necessidade de parar no meio do caminho.
A quadra onde moro e trabalho hoje em Brasília é desprovida de cafés e boas padarias, o que me tira algumas alegrias: sentar em uma mesinha minúscula, comprar um expresso superfaturado e fingir, por 10 minutos, que eu tenho todo o tempo do mundo; subitamente decidir que Eu Mereço um croissant de chocolate, sabendo que devo merecer bem mais; ter a sorte de ter um amigo para me despertar do transe com um “cafézinho?”. Quantas décadas terei de esperar para que essa tradição chegue aqui?

Foto de 22 de junho de 2023

--

--