Portão de embarque

Estamos todos voltando para casa?

rafaela
3 min readJul 27, 2024
06/07/2024

Dos destinos que me são mais comuns, há um que me desperta certo sentimento no portão de embarque. Há muitos motivos para ir para São Paulo ou Brasília: congressos, reuniões, shows internacionais, manifestações políticas de grande porte, ou apenas uma escala para qualquer outro lugar. São típicos destinos nacionais, como o Rio de Janeiro no Reveillon, como Salvador no Carnaval: atraem anônimos que de tempos em tempos se deslocam em massa por motivos óbvios ou não tão óbvios. Quem vai para Campo Grande, porém, geralmente está retornando.

Da última vez que viajei para Campo Grande cheguei com antecedência no aeroporto de Brasília (o que é raro, pois com frequência me permito a emoção de quase atrasar) e tive tempo de ficar esperando meu avião aparecer na janela do portão de embarque, como quem espera um milagre com hora marcada. Tive tempo até de ter dúvida se estava no portão certo, então perguntei à mulher sentada ao meu lado se ela também ia para o mesmo lugar que eu. Ela comia um Subway junto do marido enquanto vigiavam o filho rodopiando entre as malas alheias. “Sim, estamos todos indo para Campo Grande”, disse, e minha pergunta pareceu um pouco idiota naquele momento.

Afinal, estávamos Todos indo para Campo Grande, todas as 144 pessoas que em média cabem em um avião comercial. Por quais motivos? Talvez passar férias em uma cidade não tão turística; fazer carreira em uma capital sem muitas oportunidades de trabalho; talvez experimentar o que um dos maiores estados agroexportadores do país tem para oferecer de urbano — porém, há uma grande chance de estarem, assim como eu, retornando.

Tal possibilidade me fez sentir temporariamente íntima daquela pequena multidão. Pensei, deve haver algo em comum entre as pessoas que um dia saem do mesmo lugar e periodicamente retornam. Há quanto tempo será não comem uma sopa paraguaia? Quais foram os últimos restaurantes que viram abrir nos Altos da Afonso Pena e quais já fecharam? Será que levam o filho para correr em círculos no Belmar Fidalgo ou em linha reta na Orla Morena? Irão estranhar o vazio ao redor da antiga rodoviária? O cheiro de queimado ao final das tardes de julho? Será que já conheceram o Aquário? Eu mesma nunca fui.

Só de estarmos saindo daqui e indo para lá, já imagino que temos uma série de semelhanças, ao menos o ímpeto de viver em outro lugar, esse desejo fabricado sob medida na cidade morena. Será que temos as mesmas saudades? Os mesmos DDDs nas agendas? Somos 144 pessoas voltando para casa? Há algo de bonito nisso, mais bonito que uma mera coincidência.

Se sim, todos nos olharíamos com certa empatia e alívio: imediatamente diríamos em quais bairros crescemos, onde nos hospedaremos, quem nos espera do outro lado. Não há conforto maior do que se referir a um lugar ou a uma pessoa que ambos conhecem.

Ficaríamos felizes apenas por termos as mesmas fotografias da cidade na cabeça; por reconhecer, na memória do outro, um pouco da nossa própria. Aproveitaríamos cada segundo antes de nos dispersar novamente por Brasília ou São Paulo, ou por qualquer outro lugar para onde muitos vão por muitos motivos.

Como não temos certeza, viajamos em silêncio, aguardando uma coincidência.

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